sábado, abril 22, 2006

Eu queria tanto escrever como Dostoiévski ...


"No dia seguinte, já tarde, despertou depois de um sonho agitado, e esse sono não fora suficente para reparar as suas forças. Acordou mal-humorado, azedo, irritável, mau, e passeou com aversão o olhar pela pocilga. Era uma espécie de gaiola de uns seis passos de largura, que apresentava um aspecto repugnante com o seu papel amaralo, cheio de pó, a desprender-se da parede por todos os lados, e com um teto tão baixo que um homem alto mal poderia empertigar-se, pois dava a idéia de que iria bater com a cabeça no teto. O mobiliário harmonizava-se com o ambiente; compunha-se de três cadeiras velhas, desconjuntadas; num canto, uma mesa pintalgada, sobre a qual se viam alguns cadernos e livros, que só da circunstância de se encontrarem cheios de pó poderia deduzir-se o tempo que havia ninguém os folheava, e, finalmente, o grande sofá, também desconjuntado, que ocupava uma parede inteira e quase todo o quato, o qual anteriormente estivera forrado de indiana, mas que agora era um farrapo e servia de cama a Raskólhnikov. Deitava-se muitas vezes em cima dele, tal como estava, sem se despir, cobrindo-se apenas com o seu velho casado esfiapado, de estudante, e colocando debaixo da cabeça uma almofada, sob a qual amontoava toda a roupa branca que possuía, limpa ou suja, com o fim de a ter mais alta. À frente do sofá havia uma mesinha.
Teria sido difícil chegar a maior abandono e cair em maior miséria; mas, para Raskólhnikov, na disposição de espírito em que se encontrava, até aquilo lhe era difícil."

De "Crime e castigo", de Fiodor Dostoiévski
Li quanto tinha 16 anos e agora, 19 anos depois, estou relendo. É apaixonantemente perturbador.







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